O senhor repuxo
O senhor repuxo
Acrílico carvão e pastel s/ tela 110 cm x 81 cm
Pintura de Artur Oliveira
                                                                 

Sempre me disseram que a água era azul,
Mas ela aqui é castanha-esverdeada.
O azul estava tão lindo
Em tudo o que já era.
O mundo condizia
E a água era o reflexo do céu
Como pedaços de paraíso
Que se pudesse tocar.

Tenho os pés na água,
Está fria como tem de ser,
Fria com um pouco de dor.
Não foi assim que me contaram!
Porque é tão quentinho
Nas histórias da criação humana,
É como as palavras aconchegantes
Ao colo do pai.

Passam os patos perto das minhas pernas,
Não são brancos,
Mas são bonitos.
Tão bonitos quanto a água do lago.
É castanha-esverdeada,
Como se a beleza
Fosse um desarranjo da Natureza.

Mas não deve ser azul, o lago,
Deve ter os tons da terra
Para poder ser verdadeiro.

Eu não existo.
Sou um sonho
Que, por ser sonho,
Não pode ser amado.
Amado verdadeiramente
Como o amor entre as árvores
Em volta do lago
E a água castanha-esverdeada.

Mas eu sou uma ilusão.
Esqueci-me de perceber os outros
Para me entender.
E estou só, aqui no lago,
Roçando as pernas
Pelas penas dos patos.

Não sei o que é o amor,
Mas queria tanto poder amar.
Ser amada por um.
Um só!
Para vestir de perfeição
Este meu mundo inacabado.

Não sei se é isso.
Estou aqui, ouvindo sons de conversas distantes,
E um repuxo
Que pousa sílabas sobre uma luz
Que vem da profundidade da água.

Sílaba a sílaba,
O repuxo expande palavras na água
Que me bate as pernas
Como uma união fantasmagórica.

Eu sei lá, senhor Repuxo,
Gostava tanto de amar!

Poesia de Ricardo Oliveira